Por constatar o ingresso ilícito na moradia do paciente, sem elementos objetivos e racionais que o justificassem, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, trancou uma ação penal e mandou soltar um homem preso por tráfico de drogas.
Os policiais civis teriam recebido notícias de que haveria venda de drogas na casa do homem. Os agentes também afirmaram que a prima do acusado, residente na mesma casa, teria autorizado sua entrada. Eles encontraram 196 gramas de maconha, um revólver sem numeração e munições.
O homem foi preso em flagrante pela suposta prática de tráfico de drogas, associação para o tráfico e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito. Em primeira instância, a prisão foi convertida em preventiva, decisão que foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
A defesa pediu a revogação da custódia. Eles argumentaram que o decreto prisional não teria fundamentação idônea e concreta, e ressaltaram a invasão da residência teria ocorrido sem mandado de busca ou mesmo consentimento dos moradores, já que não haveria prova neste sentido.
No STJ, o ministro relator lembrou de uma tese de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual o ingresso forçado em domicílio, sem mandado judicial, só é legítimo quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias da situação, que apontem a ocorrência do flagrante delito no interior da casa.
No caso concreto, o magistrado observou que a diligência policial teve origem em uma notícia anônima e que não houve comprovação do consentimento para ingresso na residência. Isso porque a prima do paciente não foi ouvida posteriormente, para confirmar a versão dos agentes.
Schietti Cruz destacou que o STJ já decidiu que policiais devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio caso precisem entrar em uma residência para investigar ocorrência de crime. Segundo o entendimento da corte, a permissão também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.
Assim, caberia aos agentes demonstrar o consentimento da moradora. Mas segundo ele, não houve “preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo”.
Apesar da presunção de veracidade das declarações dos servidores públicos, o relator apontou que “o senso comum e as regras de experiência merecem ser consideradas quando tudo indica não ser crível a versão oficial apresentada, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota um indisfarçável desejo de se criar uma narrativa amparadora de uma versão que confira plena legalidade à ação estatal”.
Para o ministro, as investigações e punições de crimes mais graves devem ser vinculadas aos limites das leis e da Constituição. “A coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa, a seu turno, sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes estatais, sob a única justificativa, extraída de apreciações pessoais destes últimos, de que o local supostamente é ponto de tráfico de drogas ou de que o suspeito do tráfico ali possui droga armazenada”, acrescentou.
HC 668.957
Fonte: CONJUR